Os discursos de ódio e de intolerância, somados às disparidades sociais vivenciadas em todo o País, têm contribuído para que a sociedade brasileira esteja levantando mais “muros” do que “pontes”, na visão do professor doutor Filomeno Moraes, da Universidade de Fortaleza (Unifor), que participou do primeiro dia de atividades do Curso de Direitos Humanos na Contemporaneidade, oferecido pela Escola Superior da Magistratura do Amazonas (Esmam), em Manaus, e que discutiu o tema Democracia, Constituição e Direitos Humanos.
Muros 2Para o professor, que possui doutorado em Direito pela Universidade de São Paulo e é titular do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional/Mestrado e Doutorado da Unifor, as disparidades sociais, sobretudo nas populações das regiões Norte e Nordeste do País, vêm colaborando para os índices de violência, “que explodem, mais cedo ou mais tarde”. “Cada vez mais deixamos de ver a ocorrência da interação entre as pessoas, mas as vemos levantando muros. Rousseau (filósofo suíço, 1712-1778) já disse que a Democracia só consegue sobreviver onde o nível de riqueza e de educação não seja desproporcional demais. É preciso um grau de homogeneidade, um nível mínimo, para que a sociedade viva de forma equilibrada”, comentou Filomeno, que é um dos docentes convidados para esse curso.
Ao longo da sua exposição, ele também comentou sobre a manifestação do Poder Constituinte em 1987/1988, o princípio democrático-político na Constituição/88 e a representação e participação, e ainda fez um balanço do modelo democrático constitucional.
Além de Filomeno Moraes, também foram convidados para o primeiro dia de atividades os professores Saulo Góes (Juiz de Direito titular da 1ª Vara Cível e Criminal de Itacoatiara, interior do Amazonas) e Igor Campagnoli (Juiz de Direito que responde pelo 10º Juizado Especial Cível da Comarca de Manaus). O curso está sendo realizado na parte da tarde, das 14h30 às 18h50, em sala de aula da Esmam.
Dirigido a magistrados e servidores do Judiciário, defensores públicos, membros do Ministério Público e delegados de polícia, o curso é credenciado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento da Magistratura (Enfam), órgão máximo das escolas judiciais no Brasil, e vai até sexta-feira, dia 6. A finalidade é a formação continuada para fins de vitaliciamento e promoção. A carga horária é de 25 horas/aula.
Nesta terça-feira (3/12), os docentes convidados são os juízes Rebeca de Mendonça Lima, Gonçalo Brandão de Sousa e Danielle Monteiro, todos do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), que irão abordar o direito à afetividade como garantia fundamental no segundo dia do curso.
Comunidade LGBT
O juiz de Direito Saulo Góes, durante o primeiro dia de aula do curso, relatou uma pesquisa realizada enquanto estava respondendo pela Comarca de Parintins, interior do Amazonas. Em 2018, o magistrado identificou um alto número de processos envolvendo violência contra homossexuais no município. “Verifiquei que o aspecto cultural da cidade atraía muitos integrantes da comunidade LGBT e, ao mesmo tempo em que existia um número maior de homossexuais na cidade, a violência também era alta. Ao pesquisar os processos mais detalhadamente, observei que, na maioria dos casos, essa violência não era retratada como homofobia, mas sim como uma violência comum”, explicou o juiz, reforçando que esse tipo de crime é levado em conta para a dosimetria da pena, em julgamento de réus.
“Ou seja, mesmo que uma morte tenha sido originada pelo preconceito, pela homofobia, esse crime não estava sendo valorado. Isso ocorre também em outros municípios do interior do Amazonas. Muitas vezes esse tipo de crime não é relacionado ao preconceito com a comunidade LGBT e com isso, os gestores públicos, por não possuírem dados efetivos, acabam não direcionam ações e projetos para o combate desse tipo de violência de maneira mais decisiva”, explicou Saulo Góes.
Direitos Humanos na ótica de Alexy
Os aspectos dos direitos humanos ligados à conceituação da pessoa humana e sua valoração, foram abordados pelo juiz de Direito Igor Campagnoli. Ele citou o jurista e filósofo alemão Robert Alexy, ao discutir os direitos humanos no âmbito da dignidade da pessoa humana e propôs uma reflexão acerca do assunto.
“Buscamos problematizar esse conceito para colocar alguns aspectos relativos aos direitos humanos inerentes não apenas ao critério absoluto, como ele (Alexy) propõe, mas também um critério relativo, que pode variar conforme o grupo social, tempo e espaço. Partimos dessa premissa para chegarmos à reflexão se os direitos humanos têm sido respeitados e como os operadores do Direito devem atuar diante das violações”, comentou.
Este ano, Alexy esteve em várias capitais brasileiras, realizando palestras para operadores e estudantes de Direito, inclusive em Manaus. Dentre os assuntos que abordou na capital amazonense, no mês de agosto, Alexy falou sobre o princípio da dignidade humana como sendo o que pode figurar ao lado dos direitos sociais em todos os casos, superando qualquer outro. Ele alertou, no entanto, para a confusão que se faz entre dignidade humana e autonomia.